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I. Sou o resultado das batalhas que quotidianamente ocorrem no meu interior. É uma interioridade em guerra sem vencedor, gerando, como na guerra-fria, uma espécie de “equilíbrio pelo terror”. Seria certamente outro longe desta realidade. Neste mundo que é o meu, não existe lugar para Deus (não fosse esta figura mitológica servir de bode expiatório para o meu fracasso), não há espaço para a paz. O trabalho artístico que produzo emerge deste confronto. As peças que vão aparecendo são lágrimas ou sorrisos, gritos ou silêncios, dor, amor, sofrimento, vida, morte ou eternidade. São ciência ou poesia são viagens infinitas pelo cosmos. Encontro no triângulo autor-obra-espectador, a transcendência que emana do empenhamento espiritual que coloco na obra que quero, seja autêntica. Autêntica, porque vem das profundezas de mim próprio, porque expressa o meu olhar (na procura da beleza) sobre o que me rodeia, porque não admite condições. Desta visceralidade nasce a ansiedade, angustia, insegurança, paixão. Resultam emoções que sendo ou não catalizadoras do processo criativo, estabelecem uma relação carnal, quase amorosa[1], com o objecto produzido. Este processo, origina uma consequente exposição pessoal, intencional e desprovida de barreiras, cujo objectivo é tornar-me indefeso. Desta vulnerabilidade aparente, nasce um estranho poder que é a força que resulta da autenticidade. Através do processo de descontextualização/recontextualização[2], o objecto adquire um novo estatuto, oferecendo a alma do autor ao espectador. Desta oferenda quase sacrificial, provocadora e perturbadora do espírito do espectador, nasce o desequilíbrio, germinam novas emoções. Completa-se o ciclo e fecha-se então o triângulo. II. A arte é anterior ao olhar, precede a consciência. Ubíqua, é como a radiação cósmica fóssil que preenche o Cosmos e o percorre à velocidade da luz. A beleza que se projecta das coisas direita ao “estômago”, como um golpe que se abate inexoravelmente sobre o atleta, é anterior à criação. Nasce com o Universo. É independente do homem. Um dia, ocasionalmente, choca de encontro ao artista. Nasce então a ideia. III. A matéria que emanou do coração das estrelas para dar origem à vida e, em ultima análise à consciência, parece ter uma imutável característica de tender para a organização e para a complexificação. Podemos então pensar que o surgimento da vida e depois da consciência é inevitável e que, por isso, existe uma subliminar energia determinista que define o destino do Universo. No entanto, é o acaso que, emergindo neste processo, vai, em cada instante, abrindo e fechando caminhos, interferindo no “destino” final moldando-o. Duchamp, Schwiters e outros, incorporaram lixo nas suas obras. Objectos do quotidiano, inúteis, mas possuidores de um estranho apelo, de uma irresistível força. A pulsão que os levava a procurar estes objectos é característica da alma artística, é determinada pela busca intelectualizada de um rumo, de uma expressão estética. Do cruzamento do objecto com a alma, na imponderabilidade desta relação estética (razão\emoção), nasce a obra de arte. No processo criativo, que é verdadeiramente iniciado prioritariamente à execução da obra de arte, a ideia é dinâmica e é, até ao último instante, efémera. Na relação da ideia com os materiais que a sedimentam, dialéctica na criação, esta muda profunda ou superficialmente. IV. Quando nasce em mim a ideia, sinto como se o Universo me falasse, me escolhesse para que eu depositasse num qualquer suporte material a beleza da criação, a paixão da existência, a dor pelo efémero. Como se um raio de energia vindo dos princípios dos tempos, portador da mensagem primordial, me atingisse, trespassando-me a carne e me enchesse de mim. V. A realidade surpreende-nos por vezes, pela metafísica, pela transcendência do quotidiano, pela espiritualidade do mundano. O ridículo pode transformar-se em algo superior, o supérfluo em fundamental, o desperdício em matéria-prima. É o quotidiano rejeitado, marginal do “belo”, é a paleta de todas as possibilidades. Dizia Beuys, “todos podem ser artistas”. Mas apenas alguns, afirmo eu, estão dispostos a arriscar a sanidade mental, na busca pela beleza. A percorrer a estrada repleta de espelhos e constatar que o próprio reflexo está em constante mutação. A descobrir, um Eu que se encontra para além do próprio, a pureza infernal de um mundo interior em constante convulsão. VI. Não é uma nova cosmogonia que proponho, mas antes um projecto que, apesar da herança anarquista DaDa, e algo paradoxalmente ao contrário desta, procura a harmonia com o universo. Deixar a energia interior, a essência do “metaEu”, transformar-se no motor da busca pela beleza. |
Este site foi actualizado pelo última vez em 20/10/06