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O Porta-garrafas     Entre a quinquilharia do bazar do Hotel de Ville, Marcel Duchamp “escolhe”, em 1914, para sua “indiferença”, um porta garrafas formado por cinco suportes de dez andares. Instala-o no seu atelier na rua Saint-Hipollite em Paris. Durante os anos 50, recorrentemente, repete este gesto fundador da arte quinquilharia: “Há uma coisa que pretendo deixar bem claro, é que a escolha destes ready-mades não foi nunca ditada por qualquer razão de carácter estético. Esta escolha assentava numa reacção de indiferença visual e, simultaneamente, uma ausência total de bom ou mau gosto...na realidade, uma completa anestesia”. O “Porta-garrafas”, como a “Roda de bicicleta”, são abandonados em Paris quando MD embarca para os Estados Unidos em 1915. Em meados de Janeiro de 1916, já o espírito dos ready-made germinava na sua mente, lembra-se destes objectos deixados para trás. Escreve então à sua irmã: “...tenho uma intenção a propósito desse porta-garrafas. Escuta (...)Apropria-te dele, fiz um ready-made à distância. Escreverás em baixo e no interior, em letras pequenas pintadas com u pincel a óleo em cor branco prata, a inscrição que te darei após o que, assinarás com a mesma letra, d’aprés Marcel Duchamp”. Prova do seu interesse por estes objectos, promovidos a obras de arte, é a carta que nove meses depois envia a sua irmã, para se assegurar de que ela teria escrito, no porta-garrafas esquecido no atelier, o que MD lhe tinha pedido: “escreve (…) e envia-ma (a frase) indicando como o fizeste”. Suzana, no entanto, não pôde corresponder ao pedido de MD. Ao arrumar o atelier, após a partida de seu irmão, ela desembaraça-se dos objectos,  “Porta-garrafas”“Roda de bicicleta” então desprovidos de qualquer estatuto artístico. De forma a manifestar total ausência de rancor quanto ao ocorrido, em 1921, na ocasião de uma passagem por Paris, MD adquire um nova porta-garrafas e oferece-o a Suzane.

A 1ª exposição pública do Herisson (porta-garrafas) teve lugar em 1936: ele é rei no meio de múltiplos objectos surrealistas apresentados em Paris na galeria Charles Raton. Mais tarde, em 1956, Georges Hugnes propõe a Duchamp participar numa exposição Dada. O artista aceita aí apresentar a “Boite verte”, “Boite en valise” e um porta-garrafas. No entanto, para este último, ele precisa: “se encontrarem um”, deixando bem claro que qualquer um cumpriria o propósito. A questão do porta-garrafas será de novo colocada três anos mais tarde, por ocasião da exposição “Art and the found object” organizada em Nova York no edifício Time Life Bilding. Duchamp pede a Man Ray, que vive então em Paris, que lhe envie um bottle-dryer: “…pergunto-te se possuirás ainda o meu porta-garrafas (…). Se o perdeste, compra-me um, talvez no bazar do Hotel de Ville”. Na dúvida quanto à forma precisa do objecto e questão, Man Ray envia-lhe seis, dos quais MD escolhe um para a exposição. Um jovem artista, Robert Rauchemberg, compra-o por três dólares. Mais tarde recebe a visita de MD no seu atelier e pede-lhe para o assinar: “Ponderei profundamente as razões filosóficas, estéticas ou éticas de forma a perceber porquê e como poderia pedir a Duchamp para que assinasse o porta-garrafas. Perguntei-lhe se o queria assinar. Acedeu simpaticamente. Teeny diz que assinaria naturalmente tudo o que quiséssemos”. Duchamp escreve então na base do objecto:”Impossível lembrar-me da frase original”. Um novo “ready-made à distância” é concebido pelos suecos Ultvedt e Lind que aspiravam a mostrá-lo na sua exposição, acompanhando a monografia de Robert Lebel consagrada à obra de Marcel Duchamp. É o artista Daniel Spoerri que fica, desta vez, encarregado de o expedir para Paris, promovida gradualmente a capital mundial do porta-garrafas. O objecto está de tal maneira afastado do original que é destruído assim que a exposição termina. Um porta-garrafas, mais conforme, presente entre os exemplares enviados por Man Ray um ano antes, é assinado por Duchamp em 1961 para figurar na exposição “The World of Dada”, organizada em Providence, Road Island School of Design, Museum of Art. Para a exposição de ready-mades que organiza em Abril de 1963 na galeria Burém em Estocolmo, Ulf Linde realiza uma nova réplica do porta-garrafas. “Para a exposição na galeria do Sr. Burém, estou inteiramente de acordo com a sua ideia de apresentar cada ready-made com uma réplica exacta” confirma Duchamp.

Desta vez, a réplica é tão perfeita que ele a assina em 1964.

Esta proliferação de porta-garrafas tem finalmente um fim, com uma edição em 1964, pela galeria Schwarz de Milão. Duchamp mostra-se escrupuloso quanto à forma e à matéria do objecto, exigindo que o mesmo, ao estilo do original, não seja galvanizado. É encarregado da fabricação destes ready-mades um artesão ferreiro.

Herrisson, o primeiro dos ready-made, está no entanto sujeito a vários contra-sensos. Em 1963, nas suas conversas com Jean-Marie Drot, Duchamp estigmatiza a primeira das suas premissas, estética, à qual ele dá lugar: “ Todos o adoram. Está hoje em todos os livros. É mostrado como uma escultura que as pessoas devem admirar”. O primeiro equivoco a seu propósito não está ele ligado à amputação da sua componente linguística? Na carta que em Janeiro de 1916 envia à sua irmã Suzane, Duchamp pede-lhe que escreva uma frase na base do porta-garrafas. A parte perdida dessa carta, na qual aparecia o texto em questão, está desaparecida para sempre. Duchamp, ele próprio o esqueceu e testemunha essa amnésia, pela inscrição que concebe para o exemplar de Rauchemberg.

A maior parte dos ready-made, e das obras de MD, possuem uma dupla dimensão: plástica (visual) e literária (intelectual). O seu opus magnus Le Grand Verre – é inseparável da La Boite verte, a sua componente “espiritual”. Texto e inscrições têm a função, para Duchamp, a propulsionar as suas obras para “contextos mais verbais”, subtraindo-os ao “retiniano”, abrindo-os à “matéria cinzenta”. Faltando um dos seus componentes e os ready-mades readquirem a sua dimensão “retiniana”; veja-se o exemplo do porta-garrafas: “É muito poderoso! este amaldiçoado Herrisson (…) inquietante (1). Tornou-se demasiado belo” constata Duchamp.

A “indiferença” a que aspirava Marcel Duchamp no processo de escolha dos ready-mades é questionada. É o que acontece com o Porta-garrafas, veja-se a noticia, publicada em 1966 para a retrospectiva da Tate Gallery de Londres, em que se sublinha o carácter simétrico em volta de um eixo, forma que é partilhada com muitos outros ready-mades. Levando mais longe este tipo de esforço iconológico, e o nosso Herrisson torna-se numa cavidade rodeada de forma erécteis: “ As suas conotações sexuais são evidentes, com os seus picos eriçados, prestes a serem introduzidos nas garrafas vazias.” A sua “indiferença” original resiste aos fantasmas dos seus observadores.   

(1) no original: "...est devenu un grand souci”

 

Texto traduzido por Rib de : « Marcel Duchamp dans les collections du Centre Georges Pompidou, Musée national d’art modern », edições Centro Pompidou, Paris 2001.

 

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Este site foi actualizado pelo última vez em 31/12/05