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O Quarto Grande choque O "ready made" é talvez o objecto artístico mais controverso da história da arte. O seu aparecimento acarreta a dessacralização desta, com consequências incontornáveis para a arte e para os artistas que estão para chegar.
O seu impacto futuro na auto-estima Humana, parece seguir a percurso histórico (de quase divindade ,filho de Deus, a um vulgar ser vivo à face da Terra), da tomada de consciência da nossa irrelevância cósmica. Este doloroso processo de revisão do papel da existência humana no Universo, questiona a sua colocação na estrutura da “hierarquia divina”. Filosoficamente, acarreta como que uma gradual reestruturação mental, que conduz ao estatuto de ser vivo comum, no extraordinário, apesar de tudo, processo de criação, seja ele divino ou proveniente da aleatoriadade da natureza. Este terá sido então, o até agora último, dos grandes choques da humanidade. Senão vejamos: 1º, a destruição, com Copérnico, de uns dos dogmas fundamentais, que colocava a Terra no centro do Universo; 2º, a descoberta, com Freud, do “inconsciente”, que retirou o poder que julgávamos possuir sobre nós próprios; 3º, a descoberta, com Darwin, de que o Homem e o macaco tinham um antepassado comum, retirando, desta vez, o próprio Homem do “centro” do Universo, “reduzindo-o” à condição de primo dos símios, elemento da grande família dos primatas; finalmente, digo-o eu, o 4º grande choque da humanidade, que leva, com Duchamp, à dessacralização da Arte e, com o pós-modernismo (Beyus), à sua democratização, transformando o comum dos mortais num potencial artista.
Ironicamente, como muitas vezes acontece, Duchamp é traído pelos seus próprios objectos (Ready-made). Residindo a sua escolha, num processo de total afastamento de qualquer fundamento estético ou plástico, num alheamento dos elementos do “gosto”, presidindo à sua selecção um principio, como declarava Marcel Duchamp, não retiniano, eles (Ready-made’s), à medida que a sociedade os aceitava e o sistema os integrava nas galerias e especialmente nos museus, subvertendo os princípios aplástico e filosófico do autor, adquirem o estatuto de obra de arte, tornando-se progressivamente objectos interpretáveis esquecendo-se as frases que Marcel neles escrevia. O sentido literário dos Ready-made é ignorado. Adquirem então uma dimensão visual, retiniana, que lhes não está na origem. Duchamp perdeu o controlo. Os Ready-made adquirem vida própria e, como filhos tornados adultos, emancipam-se. Como Duchamp disse então, “É muito poderoso! este amaldiçoado Herrisson (1) (…) inquietante (1). Tornou-se demasiado belo”.
(1) "Porta-garrafas" Rib 2004